Políticas Públicas Necessárias para a Implementação dos Sistemas Agroecológicos
Manifesto Coletivo - Emergência Climática
Nota Pública - nº 03/2024
Políticas Públicas Necessárias para a Implementação dos Sistemas Agroecológicos
Ana Carolina Trindade Guilhen
Bióloga, mestre e doutora em clínica médica pela UNICAMP e MBA em Gestão Ambiental pela Poli-USP.
Marina Santiago
Geógrafa pela UFMG, graduanda em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro.
Diante dos dados apresentados e da argumentação elaborada, é imprescindível reconhecer que sem políticas públicas de incentivo à implementação de sistemas agroecológicos, e de enfrentamento a seus entraves, não é possível que essa prática tão benéfica para os sistemas socioambientais possa competir com o sistema monocultor de grandes propriedades. Munido de enormes quantidades de maquinário e capital, com o despejo de toneladas de agrotóxicos no solo, nas águas e, consequentemente, nos organismos humanos, o latifúndio agrário-exportador está estabelecido historicamente em nosso país, desde a invasão colonial e do estabelecimento do regime escravista. Enquanto alternativa viável, que conta com saberes ancestrais milenares, os sistemas agroecológicos são, ainda, uma via de reparação e de reconstrução histórica para o povo brasileiro, além de um horizonte de futuro necessário em tempos de colapso dos sistemas ambientais.
Fundos de Investimento
A falta de investimentos públicos e de isenções fiscais para impulsionar os sistemas agroecológicos acaba sendo um dos grandes entraves. Competir com os sistemas de cultivos convencionais, como a monocultura e a pecuária, que lucram a partir dos investimentos colossais tanto do setor público como privado, e que tem em sua gênese um modo produtivista exploratório dos recursos naturais, é impossível.
Os recursos públicos para o agronegócio, como o Plano Safra, somam R$400,59 bilhões, enquanto os recursos privados, como FIAGRO (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) + CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) + LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) + CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio) + CPRs (Cédulas de Produto Rural) somam 1 trilhão até abril deste ano. Já o investimento público para a agricultura familiar foi de R$76 bilhões.
Para além da discrepância dos valores de investimentos realizados para a agricultura familiar, temos o câncer do investimento privado que não respeita as políticas de responsabilidade social, econômica e climática como a do Banco Central do Brasil (BCB). Setores públicos, ao detectarem qualquer infração destas políticas no agronegócio, principalmente associado ao desmatamento, são impossibilitados de captarem qualquer tipo de financiamento. Já o financiamento privado não possui qualquer política de responsabilidade, assim como de fiscalização. Nessa ausência de regras, os créditos desses bancos são adquiridos via Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (agente regulador) > mercado de capitais (instituições composta por influencers que atraem pessoas para investirem nesse mercado e abandonar as poupanças) > produtores financeiros (FIAGRO e CRA). Essa cadeia privada é chamada de securitização, e é alimentada por títulos de dívida.
O relatório da Forest and Finance mostra como as instituições financeiras privadas continuam a injetar bilhões no desmatamento, na perda da biodiversidade, nas mudanças climáticas e em abusos de direitos humanos em todo o mundo. O relatório permite selecionar por continente, e os dados apresentados referem-se a América do Sul, coletados de 2013 a 2024.
Como se vê, o Banco do Brasil continua sendo o maior credor da América do Sul, tendo canalizado US$ 47 bilhões para a soja e US$ 45 bilhões para carne bovina entre 2018 e julho de 2024, segundo o relatório. De todo o crédito que flui para os setores de commodities associado ao desmatamento, 70% vai para a América do Sul.
2. Apoio das Universidades Públicas em Pesquisa e Divulgação
Cursos nas universidades públicas como Agronomia e Engenharia Florestal precisam disponibilizar disciplinas que incentivam os sistemas de cultivos agroecológicos de forma expansiva. Há uma tendência acadêmica de privilegiar sistemas de cultivo convencionais e predatórios. A divulgação dos estudos realizados pela EMBRAPA nesses meios, traria um debate importante para os futuros profissionais da área. A urgência também se estende na questão do uso excessivo de agrotóxicos no Brasil e seus severos impactos ambientais negativos ao meio ambiente. Os campos de formação desses profissionais precisam debater meios de transição e também de consciência ambiental para sistemas agroecológicos como a única saída viável para uma soberania alimentar e ao mesmo tempo combinada à proteção ao meio ambiente.
3. Transição Energética para os meios produtivos alimentares
Um estudo realizado pelo Observatório do Clima estima que os sistemas alimentares correspondam, em 2021, a 73,7% (1,8 bilhões de toneladas) das 2,4 bilhões de toneladas brutas de GEEs lançados no Brasil. O estudo leva em consideração a logística reversa da cadeia produtiva de alimento (vegetação nativa convertida em lavouras e pastos, as emissões diretas da agropecuária — como o metano (80 vezes mais poluente que o CO2) do “arroto” do gado —, os combustíveis fósseis queimados por máquinas agrícolas e pelo transporte da comida, o uso de energia na agroindústria e nos supermercados e os resíduos sólidos e líquidos de todos esses processos).
Invariavelmente, esses processos dependem dos combustíveis fósseis, e um modelo de energia limpa é necessário para minimizar os impactos de emissões de GEEs. É importante lembrar que mesmo um modelo intitulado como energia limpa, tem seus impactos ambientais a serem ponderados. A energia eólica, que vem crescendo no Brasil, tem gerado impactos diretos nas comunidades que moram perto destes sistemas, assim como para a vida selvagem. A principal queixa das comunidades é o barulho emitido durante o funcionamento destas hélices, fazendo com que muitas pessoas passem a usar remédios para tratar problemas como insônia, dores de cabeça, problemas da audição, depressão e ansiedade. Muitos animais também são forçados a migrarem para outras áreas, também pela questão da frequência sonora emitida pelas hélices.
Usinas de geração de energia fotovoltaica, outra aposta de energia limpa, não emitem ruídos, gases de efeito estufa e outros poluentes durante sua operação, estando associadas a baixo impacto ambiental. Porém, a localização dessas usinas pode comprometer as vantagens citadas, e a análise do ciclo de vida deste sistema que vai dos recursos naturais utilizados, produção, viabilidade de reciclagem de módulos fotovoltaicos, apresentam impactos ambientais que devem ser levados em consideração no momento da definição dos projetos.
Contudo, a necessidade iminente da transição energética precisa ser avaliada com precisão, levando em consideração a análise do ciclo de vida dos processos a serem implementados, e debatida de forma ampla para que nossa transição energética gere os mais baixos impactos ambientais possíveis, favorecendo a população e preservando a fauna e flora das regiões.
Considerações Finais
Como se pôde perceber ao longo de todo o texto, os sistemas agroecológicos não devem ser tidos como desatualizados, mas como a única solução possível à manutenção da vida humana e seu meio ambiente. Este é o único sistema que garante alimentação de qualidade à população sem esgotar os solos, sem poluir as águas e sem aniquilar a biodiversidade.
O intuito da construção desse texto foi o de reunir dados sensíveis a essa questão e discutir possibilidades de produção de alimento em um cenário global cada vez mais incerto diante das mudanças climáticas. Sendo assim, discutimos aqui possibilidades de manutenção da vida humana na Terra, a partir de uma compreensão mais ecossistêmica - que leva em conta que somos parte de um sistema ambiental do qual precisamos para viver. A respeito dos dados, buscamos elencar os principais desafios à implementação de sistemas agroflorestais no Brasil, que são os pilares de uma economia ainda colonial: concentração de terras, agropecuária e extrativismo; além do altíssimo financiamento promovido pelos bancos às atividades destruidoras do nosso solo e biodiversidade e também da falta de incentivos e subsídios às roças que alimentam e cuidam da terra.
Por outro lado, também discutimos algumas frentes de políticas públicas, ou seja, de medidas que podem ser adotadas pelo governo federal, sem qualquer intuito de exaurir essa discussão ou de pretensão de oferecer uma solução final. Ao contrário, buscamos alimentar a compreensão de que há muito que se possa fazer antes que o cenário climático e ambiental chegue a um ponto de não-retorno, que ainda é desconhecido pelos cientistas que se dedicam a essa pesquisa.
Portanto, esse texto contribui para a compreensão do que são os sistemas agroflorestais, da sua importância para todas as formas de vida terrestre, especialmente em relação a sua capacidade de alimentar a população brasileira, e, sobretudo, contribui para a compreensão de que coletivamente podemos cobrar os governos a promoverem políticas públicas que valorizem a implementação de SAF’s, combatam a destruição promovida pelo agronegócio e priorizem a vida e não o lucro dos poucos que se beneficiam desse modo de produção colonial.
Fonte: https://www.intercept.com.br/2024/08/21/bolsa-de-valores-direciona-bilhoes-para-o-agronegocio/ https://forestsandfinance.org/pt/data/ https://www.intercept.com.br/2024/08/21/bolsa-de-valores-direciona-bilhoes-para-o-agronegocio/ Relatório SEEG, 2023. Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa dos Sistemas Alimentares no Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-04/afetados-por-eolicas-discutem-danos-causados-comunidades https://bdta.abcd.usp.br/item/003049537
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