Manifesto Coletivo Nota Pública | Março 2024
Marcelo Guimarães Lima, Abaixo a Ditadura Assassina, 2024
Nunca mais silêncio, Anistia Nunca Mais!
As cenas políticas dos últimos anos nos dão pistas do quanto ainda hoje resta da ditadura civil-militar brasileira; denotam o quanto naturalizamos o esquecimento e como a falta de elaboração sobre as violências históricas vai criando uma verdadeira compulsão de repetição. Numa distintiva e quase inocente perspectiva republicana, as regras do jogo político foram violadas continuamente sem que houvesse consequências para quem as infringiu.
Na história política brasileira há mais exceções que regras. Estamos repletos de descontinuidades de governos eleitos, golpes de Estado e estados de exceção, que sempre foram equacionados no período seguinte com experiências de impunidade pelo topo, pela imposição de condições a partir das quais os envolvidos objetivam se autoanistiar.
Em 1979, os militares golpistas de 1964 se autoanistiaram, isentando-se de qualquer responsabilização pelos crimes que cometeram. Ao povo restou a indigestão do absurdo com mais uma manobra de nossa elite política, afastando-nos dos espaços decisórios e infantilizando nossa cidadania. Os mesmos militares que torturaram, mataram e esconderam corpos redigiram a Lei da Anistia para seu benefício pessoal e institucional, a fim de que saíssem ilesos de um estado de exceção que eles mesmos criaram contra seu próprio povo.
A geração que amargou aquele período, e as que o sucederam, foi humilhada, violentada, silenciada, torturada, morta e ainda teve de conviver com o sumiço de corpos nunca velados. Nenhuma lição histórica resultou como consequência do que foi cometido.
Nossa memória ficou tão comprometida que pouco espanto causava haver na maior cidade da América Latina o Elevado Costa e Silva, que permaneceu por décadas impondo-nos aquele monumento acrítico e imbecilizante em homenagem ao responsável pelo AI-5 e toda a barbárie que significou.
Em nossa história mais recente, vimos jovens que nem sequer vivenciaram a ditadura civil-militar exibindo bandeiras com dizeres como: volta dos militares ao poder; intervenção militar já; usem o art 142 da Constituição; fechem o Congresso e o STF; etc.
Os quatro anos de desgoverno Bolsonaro, não esqueçamos nunca, viram perpetrar-se, além de outros inúmeros crimes, o maior ataque genocida ao povo brasileiro, com a condução criminosa da pandemia de Covid-19. Ao longo desse período, as semanas que precediam a 7 de setembro eram palco sistemático de ameaças golpistas enfeitadas por desfile militar. E, em 2022, na sucessão dos dois turnos da eleição, esse quadro só recrudesceu, até culminar no 8 de Janeiro. E prossegue até o presente, com ataques contínuos – diretos e indiretos - provocações, mentiras e incitações, tais como o flerte ostensivo e continuado com o governo.
Os despautérios que hoje vivenciamos resultam de seguidas anistias, da ausência de responsabilização. Agora estamos diante de mais uma disjuntiva: optarmos pelo esquecimento e pela repetição dos mesmos problemas, como um fantasma a nos assombrar; ou realizarmos nosso acerto de contas com nossa memória recente, impedindo que Bolsonaro saia impune desse processo e encerrando a espiral de silêncio que marca até hoje nosso país.
E não se trata de enfrentar somente Bolsonaro. É imprescindível a continuidade dos trabalhos da antiga Comissão Nacional da Verdade, já que nossa paisagem atual bem expressa quão ela foi insuficiente, quando suas ações deveriam ter sido mais profundas e pedagógicas. A Comissão da Verdade foi uma exceção em nossa história, já que tivemos como regra apenas “comissões da omissão, da mentira, da deturpação e da manipulação histórica”.
Mantendo a vergonhosa tradição, temos o Projeto de Lei n° 5.064, de 2023, de autoria do atual senador e ex-vice presidente da República Hamilton Mourão, que defende anistia àqueles que no dia 8 de janeiro atuaram para a abolição violenta do Estado Democrático de Direito e também no Golpe de Estado (descritos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal). É mais um ato das inúmeras e sucessivas ações de anistia que deseducaram nosso povo, nossos governantes e hoje causam males à democracia. É uma ação típica para a composição de um repertório histórico falsificador – e, por isso, deve ser enfrentada e derrotada!
Diante de tantas preocupações, recebemos com indignação, incômodo e tristeza a notícia de que o presidente Lula, eleito com o apoio popular e que sofreu inúmeros golpes ao longo de sua vida, hoje diga que não quer ficar “remoendo o passado”, referindo-se ao golpe de 1964.
Não podemos deixar isso acontecer mais uma vez. O tema não deve ser esquecido! Deve ser estudado, conhecido, fornecer lições à atual e às futuras gerações, para que não tenhamos o vazio de significado de hoje sobre ele ou, pior, o sentido contrário daquilo que verdadeiramente significou.
Por isso seguimos mantendo hasteada a incansável bandeira da Anistia Nunca Mais, pela realização de um Tribunal Popular da Pandemia, do genocídio indígena, dos atos golpistas e pela continuidade da Comissão Nacional da Verdade. E que assim lutemos para superar mais um capítulo de sufocamento da palavra e do luto em nossa história.
Participaremos ativamente e convidamos a todxs a comparecer aos atos marcados para o Dia de Mobilização Nacional do Sem Anistia, em 23 de março, e nos dias 31 de março e 1º de abril, que devem ser encampados pelo povo brasileiro como forma necessária de enfrentar nossos fantasmas, lembrando os 60 anos do golpe civil-militar.
Que nunca mais tenhamos de caminhar por ruas, praças e avenidas que levem os sobrenomes Fleury, Paranhos, Ustra, Médici, Costa e Silva e outros. Ou que, pedagogicamente, tais endereços sejam precedidos da qualificação: militar torturador ou golpista fulano de tal.
A memória é uma forte arma das populações contra a repetição de catástrofes. O mero silêncio não nos garantirá um futuro de paz. Não à continuidade do silêncio de décadas!
Nunca mais silêncio, nunca mais esquecimento. Anistia Nunca Mais!
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