A luta pelo fim da exploração dos combustíveis fósseis no Brasil

Manifesto Coletivo - Emergência Climática
Nota Pública - nº 02/2024        

      


A luta pelo fim da exploração dos combustíveis fósseis no Brasil

Ana Carolina Trindade Guilhen

Bióloga, mestre e doutora em clínica médica pela UNICAMP e MBA em Gestão Ambiental pela Poli-USP.


  A cobiça da Petrobrás pela exploração do petróleo na foz do Amazonas, no Estado do Amapá, nunca esteve tão perto de ser concretizada. O último parecer técnico do IBAMA, composto por 26 especialistas, rejeita veementemente a licença ambiental para a exploração de petróleo. O parecer técnico, realizado no dia 20/10/2024, analisa os impactos da perfuração no bloco FZA-M-59 na bacia da foz do Amazonas e suas implicações/impactos nas comunidades indígenas e na biodiversidade local. Este relatório, por sua vez, é o segundo feito pelo IBAMA exigindo o indeferimento e arquivamento da licença ambiental.


     
Para além da obviedade dos impactos ambientais severos, do dilaceramento da biodiversidade e de prejuízos incalculáveis a comunidades indígenas, o fato é que nós já estamos com um aumento de 1,5˚C de temperatura média global acima dos níveis “pré-industriais” e em atual crise climática, tentando miseravelmente não ultrapassar esta marca. Os relatórios não deixam dúvidas, se continuarmos a explorar combustíveis fósseis, caminharemos pela rota de um aumento de temperatura de 2,6 a 3,1°C ao longo deste século, chegando ao ponto de não retorno. Isso traria impactos devastadores para todos os seres vivos, potencializando a sexta extinção em massa.  

Desde o primeiro relatório técnico, realizado em 28/04/2023, a manifestação de acesso e revisão do laudo partiu da Petrobrás, além do próprio presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho e do Fórum de Secretários de Meio Ambiente da Amazônia Legal. Já os apoiadores da decisão do parecer técnico foram a Associação de Professores de Direito Ambiental (APRODAB) e a Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA), incluindo uma carta de manifesto dos pescadores da região.

A Petrobras recorreu ao indeferimento ao então ministro Kassio Nunes Marques do STF, com o apoio de Rodrigo Agostinho, que não optou pelo arquivamento do pedido. O segundo relatório técnico então foi feito pelo IBAMA após pressão, o que praticamente em nada modificou seu parecer conclusivo de indeferimento. 

O relatório do IBAMA enfatiza a urgência em zerar as emissões de GEEs (gases do efeito estufa) e a importância da transição energética como parte da solução. A última versão da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que é apresentada pelos países signatários nos encontros da  COPs, apresentada em 2023 pelo Brasil estabelece:

  • reduzir as suas emissões em 48% até 2025 e 53% até 2030, em relação às emissões de 2005. 

  •  compromisso de alcançar emissões líquidas neutras até 2050, ou seja, tudo que o país ainda emitir deverá ser compensado com fontes de captura de carbono, como plantio de florestas, recuperação de biomas ou outras tecnologias.

Para se ter uma ideia da falácia deste acordo, apenas este ano de 2024, o Observatório Clima divulgou a partir de suas pesquisas que as queimadas ocasionadas no Brasil de junho a agosto emitiram 31,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, o equivalente ao total emitido pela Noruega em um ano. Com base nesses dados apresentados, seria admissível pensar na possibilidade da exploração de novos pontos de petróleo no Brasil?

Segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), entre 2015 e 2023, a indústria de petróleo no Brasil recebeu 260 bilhões em isenções fiscais, dinheiro que deveria ser investido em uma transição energética justa e não foi feito. Os valores, que incluem incentivos, benefícios e imunidades fiscais, foram direcionados a 267 empresas do setor, a maioria estrangeiras, impactando diretamente a arrecadação do governo federal. A falácia de explorar petróleo até a última gota para gerar recursos financeiros de investimento nessa transição energética não se materializou. O investimento foi de apenas 1% e a INESC ainda declara falta de transparência das empresas beneficiadas com o dinheiro que deveria ser investido na transição energética. A Petrobrás, sob o comando da Magda Chambriard, se comprometeu a ampliar os investimentos em energias renováveis até 2028, mas o que vemos na prática é a pressão pela exploração do petróleo na foz do Amazonas.

Importante lembrarmos do envolvimento da Petrobrás no vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível do duto na praia em Magé, na Baía de Guanabara-RJ em 2000. Desse vazamento, bem como outros ocorridos em praias de quase todo o Nordeste brasileiro, em 2019, não sabemos a causa até hoje.

É importante considerarmos que vivemos em um sistema interconectado e que não podemos nos limitar a apenas uma avaliação do IBAMA, por mais robusta que seja, e que indeferiu um licenciamento ambiental praticamente criminoso ao meio ambiente. Temos que levar em consideração os impactos que os GEEs têm causado no Brasil como um todo. A seca extrema que a Amazônia vem sofrendo já seria motivo suficiente para inviabilizar qualquer tentativa de exploração extrativista naquela região. É urgente ações de reflorestamento e preservação da floresta se quisermos vislumbrar um futuro digno para todos os seres vivos.


Fontes:

Relatório PNUMA: Emissions Gas Report, 2024. https://doi.org/10.59117/20.500.11822/46404

https://antigo.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/acordo-de-paris/item/10710.html

https://inesc.org.br/renuncias-fiscais-de-267-empresas-do-petroleo-somam-260-bilhoes/


ttps://climainfo.org.br/2024/09/10/brasil-abriu-mao-de-r-260-bilhoes-em-impostos-para-petroleiras-revela-inesc/

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